
Ainda que o calendário não sinalizasse, a paisagem natural da Serra gaúcha o diria. Árvores desfolhadas, temperaturas em baixa, cerrações e chuviscos ilustram a última semana de outono e a certeza de que mais um inverno está à porta. A estação do frio chega oficialmente na sexta-feira, dia 20, às 23h43min. Mas a paisagem cultural da região também já confirma o inverno, com gente encasacada nas ruas, muito mais retiro às casas e cheiro de fumaça de fogões e lareiras pelo ar. Entocados, estaremos todos às voltas com outra marca da estação: é tempo de comer mais.
A explicação disso não carece de muita ciência. No frio, para o corpo manter sua temperatura estável — aquela faixa entre 36 e 37 graus que garante o equilíbrio do organismo —, vamos precisar de bem mais energia. E, sabemos, energia vem dos alimentos. Em nosso imaginário, quanto mais calórica a comida, melhor para tal ocasião. É como se a gente precisasse criar uma literal capa por dentro da pele. E então vamos nutrindo as tais adiposidades localizadas, nome chique para as gordurinhas que formam panças e as famigeradas “pochetes” ao redor do umbigo.
Junte-se a essa orgânica necessidade por mais comida um clima externo que impõe recolhimento, e pronto: temos no inverno as condições perfeitas para engordar. Mesmo os mais dedicados aos exercícios físicos vão pensar duas vezes antes de enfrentar temperaturas baixíssimas para as práticas rotineiras nas ruas e nas academias. Aí o sedentarismo aumenta e cobra seu preço. Pois como ficar parado sem estar mastigando alguma coisa?
A cozinha, pelo calor inerente ao ambiente, será o lugar preferido da casa. Desde as cavernas os humanos procuram estar perto do fogo no frio. Nossa espécie, na evolução natural, não foi dotada de recursos biológicos que a faça mais resistente a um frio extremo, como a pele de um urso do Ártico, por exemplo. Mas ganhamos um cérebro privilegiado, que cria soluções.
É nessa criação de soluções contra o frio que surgem os diferentes aspectos culturais. Esquimós logo vão caçar um urso para roubar-lhe a pele. Outros habitantes de latitudes extremas vão construir suas casas com materiais que favoreçam a calefação por dentro. Tecidos são continuamente aperfeiçoados para melhor abrigar os corpos no inverno. E o saber tecnológico segue oferecendo toda sorte de engenhos em prol de temperaturas amenas ao bem viver.
E eis o inverno de novo! E de novo a velha pergunta de por que uma cidade de clima subtropical como Caxias do Sul, com frio indo de abril a novembro, ainda ignora soluções tão comuns mundo afora. Há 70 anos, o antropólogo Thales de Azevedo já anotava: “Os caxienses ainda não se adaptaram ao clima de sua região. São raras, pelo que ouço dizer em referência à gente de recurso, as casas com aquecimento central; usam aquecedores de querosene, carvão ou elétricos”.
Será que não vale o investimento? Hum, vou pensar melhor sobre isso no sofá da sala, todo enrolado em cobertas e com um balde de pipocas no colo. Para que aquecedor se posso comer mais, não é?